Não é fácil cantar o amor e, talvez por isso, as melhores canções de amor falam da falta dele. Pactrick Wolf tinha cantado a falta de amor no seu último disco (The Bachelor), uma obra sombria. Passados dois anos, parece que está apaixonado e dá-lhe para fazer um disco exuberantemente optimista. “Exuberância” é aqui a palavra-chave. Não apenas na temática (as excelências e alegrias do amor em 11 variações), mas especialmente na abordagem. Este é um disco que vai buscar a batida ao “disco” e a fanfarra aos metais e tambores sinfónicos para, num registo a roçar o kitsch, proclamar as tais graças do amor. A voz projectada de Pactrick Wolf assenta que nem uma luva a tais intentos. As canções parecem ter sido pensadas para grandes coreografias (“House”) ou pistas de dança (“Time Of My Life”), mas é tal a densidade, um tanto monótona, da maioria, que chega a ser reconfortante ouvir qualquer coisa mais simples (“Armistice”).
Okkervil River - I Am Very Far ****
Vocês nunca ouviram nada assim. Bom, há os Arcade Fire e os Decemberists e tal. Mas isto é outra coisa. Mesmo os Okkervil River nunca tinham feito nada assim, eram uma banda de country alternativo relativamente bem comportado. Mas Will Sheff, alma dos Okkervil, arregaçou as mangas, escreveu as canções, cantou, tocou uma dezena de instrumentos e produziu o disco. E que produção! Continuam a ouvir-se guitarras, mas os 50 minutos do disco são de uma rara densidade e complexidade instrumentais, a que não faltam secções de metais e cordas e um dos mais vibrantes exercícios de percussão da história do rock. E não é tudo isso demasiado pomposo, gongórico? Não, e é aí que está a beleza da coisa. Sheff conjuga toda essa tensão sonora com um lirismo poético e melódico, que dá origem a momentos de grande beleza, como “Hanging From a Hit”, “Your Past Life As a Blast”, “White Shadow Waltz”… e por aí fora.
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Discos,
Okkervil River
A década Sinatra *****
São mais de 200 canções, gravadas há quase 60 anos e lançadas agora a preço reduzido. Manuel Morgado ouviu-as todas e ficou convencido de que a perfeição existe
Lá fora são os anos 50 do pós-guerra, do baby boom, da América próspera. Tudo
parece possível, até a felicidade, e há uns miúdos e alguns graúdos que
inventam uma nova música a que chamam rock’n’roll.
Sinatra, o dono da Voz que explodira na década anterior, é o contraste perfeito
desse glamour: está fora de moda, é
despedido pela editora (Columbia), cambaleia entre o divórcio de Ava Gardner e
tentativas de suicídio. Como tantas vezes na História, está criado o clima para
uma enorme explosão de talento, que marcará uma época, mas, acima de tudo,
estabelecerá um paradigma.
Os discos que Frank Sinatra lançou na Capitol (1953-61) são
absolutamente históricos. Desde logo pela abordagem que faz a cada canção,
tratando-as como se fossem, todas e cada uma, um caso muito pessoal. Sinatra
não avia canções, vive-as e isso ouve-se. Históricos também porque,
aproveitando o advento do LP, Sinatra inventa os discos conceptuais: as canções
são escolhidas à volta de um conceito, seja o amor, as viagens, a dança, ou o
amor, outra e mais uma vez. E, enfim, são discos históricos porque tudo neles é
perfeição: a voz, os arranjos e a condução de orquestra (além de Billy May e
Gordon Jenkins, começa a colaboração com Nelson Riddle, que marca toda esta
época), e as próprias composições, constituindo este repertório um autêntico
cancioneiro americano, a que não faltam Gershwin, Porter, Mercer, Arlen,
Rodgers &Hart…
A colecção que agora chega a Portugal beneficia da cessação
dos direitos autor, passados que foram 50 anos sobre as edições originais. Uma
editora de Barcelona juntou em 12 discos as gravações remasterizadas de 12 LP e
alguns singles, a que não faltam as capas originais, numa operação low cost com matéria-prima de luxo.
Por ordem cronológica, Songs
For Young Lovers/Swing Easy! (1954) condensa a ideia que presidiu às
gravações da Capitol: discos de canções de amor, alternados com outros de
dança, aqui juntos num mesmo CD. E é aqui que podemos ouvir gravações
“definitivas” de “My Funny Valentine”, “I Get A Kick Out Of You”, ou “Just One
of Those Things”.
O ano seguinte foi inteiramente dedicado ao amor, ou melhor,
à falta dele. In The Wee Small Hours
cria uma atmosfera íntima, propícia a exorcizar amores que se rompem e que se
tentam preservar com inviáveis promessas de amizade. “What Is This Thing Called Love”, pergunta Cole
Porter.
Songs For Swingin’ Lovers (56) é todo ele alegria (“You Make
Me Feel So Young”) e chega a garantir que, sim, o amor existe (“Love Is Here To
Stay” e “I’ve Got You Under My Skin”). A orquestra brilha a grande
altura. E o ano não acaba sem que seja lançada a primeira colectânea de singles
(This Is Sinatra), até porque A Voz
tinha voltado novamente aos tops (em 1958, surgirá o segundo volume).
No disco de 57, Sinatra surge na capa de olhos de fechados,
a dar o mote para aquele que talvez seja o momento mais intimista da sua
carreira, Close To You. São 12
canções, delicadamente orquestradas, reflexivas, contra a corrente (estávamos
no auge do rock’n’roll). E mais uma vez Sinatra canta, com um jeito quase
coloquial, como quem respira, as agruras do coração. Mas – esperem! – o ano
fecha com A Swingin’ Affair, ao qual
bastaria ter “Night And Day” a abrir, mas tem muito mais.
Where Are You (amor), Come
Fly With Me (viagens) no mesmo CD de Come
Dance With Me! (dança) e ainda Only
The Lonely, Look To Your Heart e No
One Cares (o amor, a falta dele) são os discos que se seguem e que revelam
as tão variadas facetas de um artista em fase inspirada.
A Capitol editaria ainda mais três discos e Sinatra tem pela
frente uma carreira de sucesso na sua própria editora (Reprise), mas os anos 50
ficarão como a sua década de ouro.
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Discos,
Frank Sinatra
Eddie Vedder - Ukelele Songs **
Sim, Eddie Vedder também tem sentimentos, e família e coisas
assim, mortais. Não é apena aquela “estrela, sobre-humana, que se apresenta em
palco à frente dos Pearl Jam. E nada melhor para o demonstrar, pensou ele, que
pegar no ukelele e, sem nada na manga, cantar 16 canções de enfiada. Pensou
mal. O ukelele, descendente do nosso cavaquinho, tem a sua graça, mas é muito
limitado. Mesmo num disco que totaliza apenas 34 minutos, ao fim de um certo
tempo já se sente uma espécie de… enjoo. E isto ressalvando que Eddie Vedder
até utiliza bem a sua voz de barítono para contrapor à monotonia do
instrumento. Passam por aqui canções próprias (até dos Pearl Jam – “Can’t
Keep”) e alheias, dois convidados especiais (Glen Hansard e Chan Marsall/Cat
Power), e uma certa dose nostalgia, seja do surf, da natureza, dos espaços
abertos. Ficam duas ou três canções na memória (“Sleelping By Myself” e
“Without You”) e pouco mais.
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Discos,
Eddie Vedder
Jay-Jay Johanson - Spellbound ****
Alegrai-vos, românticos depressivos. Jay-Jay Johanson está
de regresso e traz com ele mais uma mão cheia de canções belas e tristes,
melodiosas que até doem. Há uns cinco anos que este sueco não dava sinais de
vida e, pelos vistos, fez-lhe bem o descanso. Nesta nova gravação, as
electrónicas foram remetidas para o subtexto, raramente rompendo o papel de
quase decoração de fundo, dando todo o palco à voz, ao piano e às cordas. O tom
mantém-se. Johanson bebe imenso no jazz (“An Eternity”), mas também nos filmes
de Hollywood (“Blind”), enfim, nos grandes cantores (“Dilemma”, o primeiro
single, tem a batida do histórico “Fever”…), sendo as quatro primeiras canções
do disco um autêntico tratado de bem compor e bem interpretar. Mas não há que
ter ilusões, que ninguém venha aqui à procura de salvação. A morte é o lema que
atravessa o disco e a audição, exigente, ressente-se disso. Podem comprová-lo
ao vivo, em Outubro, em Sintra.
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Discos,
Jay-Jay Johanson
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