As primeiras teses universitárias sobre Dylan versavam a sua
poesia. E ainda há muito boa gente para quem o seu nome ecoa, especialmente,
uma espécie de líder geracional, coisa que nunca foi, porque não quis. Ambas as
apreciações são relativamente insuficientes para o definir, não apenas porque
ficam aquém da sua complexidade enquanto artista, mas simplesmente porque o
ignoram enquanto músico. Se há coisa que a Bootleg Series, iniciada em 1992,
veio clarificar é precisamente o carácter vanguardista da sua expressão musical,
ao revelar o processo criativo de cada fase da sua carreira. Esse aspecto é particularmente
audível na avassaladora edição das Basement
Tapes (2014) e, agora, nesta ainda mais espantosa The Cutting Edge, que recolhe os ensaios de estúdio e as várias
versões preliminares dos seus três discos fundamentais: Bringing It All Back Home, Highway
61 Revisited e Blonde on Blonde,
gravados ao longo de 14 meses (1965/66). O projecto é um tanto megalómano: uma
versão de 18 discos, com todas as gravações realizadas; uma de seis discos, em
que um deles contém 20 (!) versões de "Like A Rolling Stone"; e esta, que sintetiza esse período em
36 temas. Há de tudo um pouco: começos em falso, versões de demonstração só com
piano, ensaios e versões verdadeiramente alternativas. Sim, muita das versões
que aqui estão mostram-nos quase outras canções, seja porque o ritmo é
diferente do que conhecemos, seja porque a letra não é exactamente a mesma,
seja principalmente porque Dylan e os músicos ensaiavam, de facto, versões muito
diversas das que conhecemos. Às vezes chegavam mesmo a abandonar alguma canção,
como inexplicavelmente acontece com "She's Your Lover Now", apenas
porque não atinavam com a versão correcta. Um flashback muito esclarecedor
sobre o período mais criativo de um maiores criadores musicais do nosso tempo.
Lizz Wright - Freedom and Surrender ****
Lizz Wright nunca foi uma purista. O jazz, já na sua forma ligeira, sempre foi um ponto de partida, quer para aventuras nas zonas gospel, blues ou mesmo folk, quer quase sempre para jogos de sedução com a pop. Pop e sedução, eis as duas palavas-chave desta nova aventura. As canções mais ritmadas inscrevem-se claramente na linhagem da pop clássica robusta ("New Game", por exemplo), mas é no outro terreno, o da sedução, que quase todo o disco se desenvolve. Lizz Wright decidiu colocar a sua voz possante, mas aveludada, ao serviço de uma mão cheia de canções em que a sedução não é palavra vã, antes se materializa numa toada insinuante, lânguida mesmo. "Right Where You Are", em dueto com Gregory Parker, ou especialmente "Here and Now", são disso o melhor exemplo. O investimento vocal é enorme (é mais difícil segurar elegantemente estes notas, do que soltá-las em correria) e exige do ouvinte mais disponibilidade do que é habitual. Mas vale a pena.
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Discos,
Lizz Wright
Buddy Guy - Born To Play Guitar ****
Rei morto, rei posto? Não precisamente, apesar da homenagem que Buddy Guy, em dueto com Van Morrison, presta ao rei em "Flesh and Bone", estranhamente o menos bluesy dos 14 temas deste disco. A memória de B. B. King, recentemente falecido, é recordada numa canção mais influenciada pelo estilo do irlandês do que pelo blues genuíno que povoa o resto do disco. Aos 79, Buddy Guy não é propriamente um herdeiro de King, antes um quase irmão, talvez o último dos grandes bluesmen. É o próprio Buddy que se encarrega de sublinhar o facto, na outra evocação explícita deste disco, "Come Back Muddy", aqui num registo mais consentâneo com a velha linhagem que se espraiou do Mississipi a Chicago. O resto corre, igualmente sem surpresa de maior, numa deambulação quase enciclopédica pelas várias abordagens possíveis a essa música negra sem a qual a generalidade da música de hoje seria carente de ritmo e alma.
Stereophonics - Keep The Village Alive**
Provavelmente, os grandes culpados são os U2, ou melhor, o grande sucesso que os U2 tiveram. Mas a verdade é que o rock britânico das últimas duas décadas está saturado (e, sim, a palavra tem leitura dúplice) de bandas especialistas em grandes manobras de palco, suportadas por uma música muito ritmada, um tanto gritada e - que coisa irritante... - com um forte pendor pró-sinfónico. Os Stereophonics são apenas mais um desses grupos. E, como todas as outras, é fácil colocá-lo numa rede de influências mútuas, em que os mesmos U2 são uma espécie de distribuidor central, com todos os outros a fazerem-se notar pelas pequenas variações que repetem à exaustão. Ao nono disco, estes gauleses já pouco de novo têm para mostrar e limitam-se a baralhar e dar de novo em canções rigorosamente escritas para palco. E a cada a canção, a grande surpresa é: mas onde é que eu já ouvi isto?
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