José Miguel Júdice - Portugalando ****

Numa entrevista recente, José Miguel Júdice definia-se a si próprio como um provocador e admitia até que, por vezes, provoca apenas para se divertir ou para assistir às reacções de quem o rodeia.
Ninguém diria. Num país de engravatados, espera-se de um engravatado (e que engravatado…) que tenha tino e não se ponha para aí com provocações.
Por exemplo, não se espera de alguém com responsabilidades, um íntimo dos poderosos, que venha dizer que Portugal atravessa “a maior crise de sempre da nossa História” (atenção às conclusões precipitadas – isto foi escrito em Janeiro de 2007…) e que, logo de seguida, manifeste algum comprazimento com a nossa descida aos abismos, já que isso pode “servir de vacina e de demonstração para todos os outros, que com a nossa falência e a nossa extinção como projecto viável aprenderão a evitar igual destino”.
Isolada, ou eventualmente replicada noutros escritos, tal afirmação colocaria o super-advogado no topo dos “encartados pessimistas (…) que se esvaem diariamente em gozo onanista sobre a decadência e os horrores da Pátria”, como ele próprio escreve. E nestas quase 200 páginas em que recolhe as crónicas editadas no Público em 2007, há pessimismo a rodos, seja a propósito da classe política, da igreja católica, dos portugueses em geral, ou do PSD em particular.
E, no entanto, Júdice faz questão de ainda se colocar do lado dos “optimistas”, se bem que “preocupados”. A ténue linha divisória estará, talvez, na “esperança” que diz ter, sem ilusões, de que Portugal possa ultrapassar, sem cair, o tal estado de pré-falência.
A maledicência nacional encontrará aqui pasto q.b. para se alimentar – seja nos elogios a Sócrates, seja na descrição do PSD como um “partido moribundo” e já quase sem lugar no sistema político português. Os outros têm vastos motivos de reflexão, à sombra de uma escrita limpa e elegante. Com gravata, mas jovial.

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