Sufjan Stevens - Carrie & Lowell *****

Este disco deveria ser impossível de se ouvir. Apenas massas dissonantes de som agonizante, notas angustiadas, vozes torturadas. Há, é verdade, um tema cuja paisagem sonora se aproxima desse abismo, "Blue Bucket of Gold", a encerrar. Mas o resto é até agradável de se ouvir, se não prestarmos atenção aos fantasmas que espreitam a cada verso. Ao sétimo disco, Sufjan Stevens decidiu exorcizar a memória da mãe, alcoólica e esquizofrénica, que abandonou repetidamente os dois filhos na infância, e que morreu em 2012, com Sufjan à cabeceira rendido a um inevitável amor. Entre os dois momentos, há pouca luz e muito sofrimento, à parte umas imagens amarelecidas de idas à praia no Oregon, com a mãe e o padrasto, a Carrie e o Lowell do título. Sofrimento que passa por insistentes tentativas de suicídio e uma redenção através da fé. Paradoxalmente, os frescos que Sufjan nos mostra desta sua caminhada pelo Inferno são serenos, coloridos, quase alegres. O registo está nos antípodas dos discos que lhe conhecemos, seja no som quase sinfónico, seja na electrónica. Aqui impera a inspiração folk, em tom muito sereno e melódico, de que "Eugene" será o tema mais exemplar, na austeridade do dedilhar de uma guitarra acústica. A electrónica surge, de maneira discreta, em forma de mero sublinhado, como em "All Of Me Wants All Of You", ou mais dominante, embora subtil, como em "Fourth of July", o tema que descreve a morte da mãe. E há temas que têm de tudo um pouco, de delicadeza barroca, como "Should Have Know Better. Sufjan pode ter assinado aqui um dos melhores discos da sua já faustosa carreira, o que não deixa de ser... incómodo, se tivermos em conta a matéria prima.

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