Paul McCartney - III ****

A uma certa altura, os Beatles gritaram “alto e para o baile”. E parou, literalmente. Acabou-se o frenesim dos concertos e das multidões histéricas, e os estúdios de gravação viram nascer, disco após disco, o verdadeiro cânone da música pop-rock. Décadas passadas, em 2020, ninguém mandou parar o baile, a dança autossuspendeu-se sem pré-aviso. E McCartney viu-se confinado com a família numa quinta. Daí não nasceu qualquer revolução, até porque todas as revoluções já foram feitas, mas o ambiente de reclusão parece continuar a fazer milagres. À semelhança dos anteriores registos homónimos (de 1970 e 1980), o ex-Beatle escreve e interpreta tudo, sozinho. Também como nesses dois discos, este conjunto de canções é atravessado por um misto de simplicidade e exaltação, que quase nos remete para a imagem de uma criança encantada com a magia das coisas, seja o som dos instrumentos ou os mistérios da vida. As canções mais perto da terra – folk, digamos – são as mais interessantes: “The Kiss of Venus”, “When Winter Comes”, ou “Pretty Boys”. Mas há também abordagens mais densas, inspiradas, dissonantes: “Women and Wives”, o instrumental de abertura, ou “Seize the Day”. Num ano tão agreste como este, é muito confortável saber que os nossos heróis permanecem lá, tranquilamente, a zelar por nós.

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